“O único momento que não mexo no smartphone é na hora que estou dormindo”. Consultora de marketing e social media, a belo-horizontina Lorena Chaves, de 28 anos, admite que é viciada no aparelho. Ela retrata bem um comportamento que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil: segundo o Relatório Global de Visão Geral Digital 2023, o país é o segundo, entre 45 nações do mundo avaliadas, em que as pessoas passam mais tempo em frente a telas. São, em média, 9 horas e 32 minutos por dia, considerando também computadores. O levantamento foi feito pela DataReportal, plataforma de análise de dados de empresas de todo o mundo.
A consequência de tantas horas conectado, conforme especialistas ouvidos pelo Super Notícia, é que essas pessoas têm apresentado vários problemas de saúde. Entre os principais estão questões ortopédicas, nos olhos e até psicológicas, como falta de concentração.
“A luz transforma melatonina, que é o hormônio produzido no cérebro com a função de estimular o sono, em serotonina, conhecido como ‘hormônio da felicidade’. Além disso, estimula a liberação de dopamina, um neurotransmissor que proporciona sensação de prazer, causando dependência”, explica a psicóloga e terapeuta cognitiva Carol Sampaio sobre o motivo do vício em telas, principalmente nas de smartphones.
O excesso de uso do aparelho, notadamente durante a pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2023, fez com que Lorena desenvolvesse uma tendinite nos dois braços. “Acabei conseguindo muitos clientes na época e trabalhava o dia todo só mexendo no celular. Sinto dores até hoje”, comenta.
Ortopedista especialista em mãos pelo Hospital Santa Casa de Belo Horizonte, Thiago Alvares de Campos afirma que o caso de Lorena não é raro. Ele ainda diz haver outras consequências do uso exagerado de smartphones para as pessoas.
“Isso pode causar problemas ortopédicos em toda a parte superior do corpo humano. No pescoço, pelo fato de manter a cabeça para baixo, aumenta a pressão da cabeça sobre a coluna cervical, causando dor no pescoço. No ombro, por não manter o braço apoiado, gera dores musculares nos romboides e elevador da escápula. Já nas mãos, há possibilidade de ocasionar tendinite de ‘De Quervain’ e síndrome do túnel do carpo (sensação de dormência nos dedos)”, explica.
Segundo Campos, os tratamentos para essas doenças geralmente são com medicamentos e fisioterapia. No entanto, em casos mais graves, pode ser necessária uma cirurgia.
"Chegou um momento que eu não conseguia conversar com as pessoas durante um jantar, assistir a um filme completo, ler um livro sem olhar o telefone. Gostaria de diminuir na minha rotina”, completou Lorena Chaves.
Exposição à tela também é nociva para os olhos
Além dos problemas ortopédicos, o uso em excesso do smartphone pode causar sérios problemas para os olhos, como explica Glauber Coutinho Eliazar, oftalmologista, preceptor do setor de córnea do Instituto de Olhos Ciências Médicas.
“Quando não estamos concentrados em atividades para perto, como o uso do smartphone, piscamos os olhos cerca de 15 vezes por minuto. Já no caso contrário, isso se reduz para menos de sete, ocasionando falta de lubrificação, que é essencial para evitar irritação e o atrito entre a pálpebra e a córnea, além de atuar como barreira para a entrada de substâncias estranhas”, explica o especialista.
Eliazar também lembra que o abuso no uso de telas provoca o cansaço visual digital, dor de cabeça, visão embaçada e até aumento da miopia em pacientes.
Mais smartphones do que gente no Brasil
O Brasil tem hoje 258 milhões de smartphones habilitados. O número é o maior da história e representa, em média, 1,2 aparelho para cada habitante do país, conforme a Pesquisa do Uso de TI feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e divulgada em junho passado.
Para Fernando Meirelles, professor titular de TI da Fundação Getulio Vargas-SP e autor da pesquisa, dois pontos explicam esse fenômeno.
“O primeiro é que se usa menos computador e mais smartphones. Quanto mais novas as pessoas, mais isso se faz presente. O celular substitui o computador. O segundo é que, com um aparelho desse, você tem acesso a educação, finanças, relacionamento e trabalho. Tem gente que trabalha exclusivamente pelo celular. É um fenômeno que tende a aumentar, não sabemos onde vai parar”, analisa.
O levantamento também mostra que o brasileiro está entre os usuários com mais contas em redes sociais. No Brasil, a média é de dez contas por usuário, acima de países como Estados Unidos (7) e Japão (4). Na Índia, primeiro no estudo, são 12. A média mundial é de 8.
Moradora do bairro Palmeiras, em BH, a publicitária Ana Luiza Figueiredo, de 22 anos, é considerada uma “high profile”, como é chamada a pessoa que é bastante ativa em redes sociais e tem contas no Instagram, TikTok e WhatsApp. “Faço alguns trabalhos como social media, mas a maior parte do tempo eu uso o celular por questão particular. A gente sempre está entretido de alguma forma. E você acaba consumindo cada vez mais”, afirma.
"Dá para viver sem, é verdade, mas a gente já acostumou muito. Tipo pensar em viajar sem o Google Maps, se locomover sem um transporte por aplicativo, pedir comida por aplicativo de delivery. A gente faz tudo isso e é difícil imaginar não fazer mais", concluiu.
Comparação
De acordo com o relatório da DataReportal, para efeito de comparação, a média mundial de uso diário de smartphone e computador é de 6h37. Entre os 45 países analisados, o Brasil só ficou atrás da África do Sul, que lidera o ranking, com 9h38 de uso diário. Os países da América do Sul que aparecem no top 10, além do Brasil, são Argentina em 4º lugar (9h01); Colômbia, em 5º (9h); e Chile em 6º (8h36). Fora do top 10 estão os Estados Unidos (6h59) e o Japão (3h45).
Fonte: https://www.otempo.com.br/cidades/2024/8/9/